Era o mesmo som, a mesma sinfonia de madeira se despedaçando.
-Mais uma vez Daníca!
Mirta continuava a gritar e a unica coisa que sentia vontade era de sair dali e nunca mais voltar.
-Você está se contendo... -Mirta se aproximou de mim. -Acha que vai me vencer pelo cansaço, garota?
-Eu estou cansada, estamos treinando desde de manhã!
-Pois ficará a noite toda aqui se for preciso, acha que se anulando de aprender mágica vai nos fazer desistir você? Nunca! Já está aqui a um mês e quase não fez nenhum progresso.
-Não é tão simp...
-NÃO PARA UMA BRUXA DO SEU CALIBRE! -Mirta gritou me fazendo contrair o rosto. -Pois bem, talvez você não tenha realmente a didática, correta!
Mirta caminhou pela sala e se aproximou de uma senhora que estava arrumando os alvos.
-Qual o seu nome? A mulher olhou para Mirta e automaticamente seu corpo começou a tremer e a gaguejar. -Não entendeu a minha pergunta?
-An... An... Toinet
Respondeu a mulher escondendo o panico.
-O que você está pensando Mirta?
-Em nada meu anjo, apenas em ensiná-la! Mirta Sorriu e voltou a olhar para mim. -Eu lhe darei mais uma chance de repetir o ensinamento que lhe mostrei com os alvos. Só que se dessa vez você falhar eu vou fazer a Antoinet explodir.
-O que?
Eu estava perplexa, e a cara de pavor da mulher fez o rosto de Mirta se iluminar.
-E exatamente como me ouviu Daníca. Amanhã você repetira o exercício, e se não obtiver exito! Eu vou explodir essa muchkin.
-Ela não tem nada haver com isso, deixe-a em paz!
-Eu a deixarei, quando acertar o feitiço! Isso claro, se você conseguir!
Mirta saiu da sala e bateu a porta. Antoinet correu até a mim e se ajoelhou a meus pés.
-Daníca, por favor! Por favor não deixe que ela me mate, eu tenho quatro filhos e a minha pequenina tem apenas três anos, ela ainda precisa de mim...
-Ei... Fique calma Antoinet, eu jamais vou permitir que ela faça isso com você
-Você... Você precisa acertar aquele feitiço, se não ela vai me fazer explodir!
-Isso não vai acontecer, pode ficar tranquila...
Eu a abracei e por alguns instantes tentei acalmar o pranto de desespero de uma mulher ameaçada de morte.
Depois de tanto sofrimento as pessoas simplesmente se acostumam com a dor. Cada dia que passava eu chorava em silencio pelos cantos da mansão a cada maldade e perversidade que as bruxas faziam. Eu achava que aquele sofrimento não teria fim, até que um dia eu parei de chorar, a dor ainda persistia a me corroer por dentro, mas quando se vive muito tempo com a dor, ela passa a ser uma companheira desagradável em que você se acostuma a conviver. Os serviçais daquela mansão passavam por humilhações e agressões todo o tempo, e a maior parte de meu tempo eu tentava ajudá-los e de alguma maneira reduzir o máximo que eu conseguia a vida sofrida que eles levavam.
Anoiteceu e eu vi o seu escurecer da janela da sala de treinamento. Eu passei toda a tarde repetindo e repetindo o encantamento e a unica coisa na minha mente era o sentimento de culpa caso Antoinet morresse.
-A Berta me disse que estava aqui. -A voz era diferente das dos empregados que eu conhecia e quando eu me virei o garoto estava parado próximo a mesa com uma bandeja nas mãos. -Perdoe-me, eu não quis assustar!
-Não assustou! -Falei friamente. -Posso saber quem é você? Não me recordo do seu rosto entre os empregados.
-Eu não sou ninguém, só me ofereci para trazer a bandeja que a Berta mandou para você! Ela disse que a senhorita passou a tarde no treino e que não estava presente no almoço, ela se preocupou em saber que não havia comido nada.
-A Berta é muito gentil... Diferente de alguns empregados ela não tem medo de mim...
-Ela é maravilhosa, a melhor pessoa dentro desta mansão. -O garoto parou ao se dar conta que estava diante de uma das bruxas. -Ahhh, queira me perdoar, eu não quis dizer isso, eu apenas.
-Tudo bem. -Eu sorri. -Eu penso a mesma coisa, a Berta acredita que ainda exista algo de bom em qualquer pessoa, e a unica desde que cheguei aqui, que acredita que não sou como elas.
-Eu também não acredito que seja.
Eu olhei para o garoto e nossos olhos se encontraram, ele não tinha medo de mim e me observava não como algo estranho ou curioso, ele me olhava como se olhasse uma pessoa qualquer, alguém comum.
-Porque acredita nisso?
-Porque nenhuma bruxa ruim se penitenciaria por conta de um serviçal qualquer. E preciso ser alguém com coração para isso. E você está aqui a horas... Passando fome, e mesmo assim não parou, apenas por se importar com a vida de uma outra pessoa. Meu pai chama isso de caráter.
-Obrigado.
Eu senti algo bom depois de muito tempo, no fundo ele tinha rasão, eu poderia optar por deixar que Antoinet morresse, mas essa escolha não seria feita por mim. Eu aprendi a respeitar as pessoas e a valorizar a vida e isso Mirta e Theodora jamais iriam conseguir arrancar de mim.
-Se não se importar senhorita...
-Daníca. -Eu o interrompi. -Só Daníca.
-Eu poderia te ajudar com o feitiço.
-Você também pode fazer magia?
-Não, não... O meu serviço aqui é no jardim, e é lá que Mirta treina os seus feitiços, eu já a vi praticando varias vezes, além disso , a biblioteca tem inúmeros livros sobre magia, eu acho que eu posso de dizer o que fazer.
-E antes disso, será que eu podeira saber o seu nome?
-Ahhh... -O garoto sorriu e ficou meio sem jeito pela indelicadeza de não ter dito. -É Adam, meu nome é Adam!
Durante a noite eu escutei Adam falar sobre as teorias mágicas do sentimento, e de como eles influenciam os feitiços e encantamentos, as suas teorias me faziam interpretar a magia de um jeito completamente diferente.
-Eu não sei se consigo fazer isso!
-E porque não conseguiria?
-Mirta quer que eu erre e me sinta culpada.
-Ou vai ver ela apenas quer que você se empenhe ao seu treinamento
-Eu não quero ser uma delas!
-Então não seja...
-Não é simples assim.
-E como seria?
-Se passar pela cabeça delas que eu penso em traí-las, elas matam os meus pais...
-Mas caso contrário você está destinada a algo que não aceita.
Adam de um jeito ou de outro parecia me compreender como se estivesse vivendo a mesma situação que a minha.
-Porque está aqui, Adam? -A minha pergunta o fez entrar em um caminho tortuoso e sofrido, e mesmo que tentasse negar , era possível perceber a tristeza no seu rosto quando ele se lembrou. -Desculpe eu não devia ter perguntado.
-Não, ta tudo bem... E só que... É difícil... -Meu pai é um homem muito influente, ele e minha mãe se conheceram quando trabalhavam como assessores da Cidade das Esmeraldas, e depois de um tempo eles se casaram e eu nasci, na época o meu pai almejava se tornar conselheiro do Mágico.
-Você cresceu na Cidade das Esmeraldas?
-Sim, meus pais são de Muchkin, mas mudaram-se pra la por conta dos empregos, tínhamos uma vida muito confortável, e todo aquele mundo verde a nossa disposição, e pouco tempo depois meu pai havia conseguido o cargo que ele tanto sonhou a vida inteira, mas não durou muito tempo, durante a festa do dia esmeralda a dez anos atrás, a cidade foi atacada pelas bruxas. A cidade se tornou um caos, as bruxas boas do leste e oeste lutaram contra Mirta, Theodora, Lenora e Ivana... Elas morreram naquela noite, assim como milhares de cidadãos. Os guardas protegeram o castelo dos ataques, mas não conseguimos chegar a tempo, fomos pegos por Theodora e Mirta, elas estavam encurraladas, os macacos estavam sendo vencidos e elas precisavam sair dali, ela não esperavam perder o ataque surpresa então elas precisavam garantir que todos os passos do mágico a partir daquele dia fosse previstos.
-Elas queriam olhos dentro do castelo das Esmeraldas.
-Exatamente... E a minha mãe se recusou a ajudá-las, elas a mataram bem ali na nossa frente sem piedade, eu fiquei desesperado, o meu pai me segurava para que nada de mal me acontecesse, mas ele não deveria ter feito aquilo, ele deveria ter deixado que elas nos matassem aquela noite.
-Porque diz isso?
-Por que naquela noite, o meu pai prometeu as bruxas que seria os olhos delas dentro do castelo, e pra que ele não quebrasse o acordo, elas me trouxeram como garantia da sua lealdade.
-Você também é prisioneiro das bruxas... -Eu entendi naquele momento o porquê dele entender tão bem a minha história. -A quanto tempo está aqui, Adam?
-Há dez anos...
-Mas e o seu pai?
-Continua refém todo esse tempo.
As horas passaram sem que notássemos e o som do relógio só foi possível se ouvir quando já eram meia noite.
-Eu preciso ir, está tarde e você precisa está bem disposta para amanhã.
-Você virá amanhã?
-Não tenho muita escolha, eu estou preso aqui. -Ele soltou um riso sem graça. -Nos vemos amanhã.
-Espera Adam. -Ele se virou para a porta e eu o peguei pela mão. -Muito obrigado.
-Pelo quê?
-Por ter confiado em mim, eu...
-Hey... Ele me interrompeu. -Você confiou em mim também. E acho que depois de todas essas horas, parece que te conheço a uma eternidade.
-E bom saber que tem pessoas como você aqui!
A minha unica reação foi abraça-lo num gesto de gratidão por um momento bom em meio a tanto sofrimento vivido nos últimos dias.
-Eu gostei de você, professor!
-E eu gostei de você, verdinha.
